Quem são as pessoas que cuidam? O que fazem, como e por que fazem? O que gera a experiência do cuidado? E se não tivesse o cuidado, o que teria? Foi a partir de perguntas como essas que nasceu o Circular – Cuidadores do Mundo. Um programa que celebra e valoriza o cuidado em diferentes áreas da vida social, ambiental e cultural, a partir da escuta daqueles que cuidam.
O programa teve início em março de 2024, com um levantamento de 30 iniciativas de cuidado na cidade do Rio de Janeiro e Grande Rio. Seus realizadores foram convidados a narrar suas práticas, e buscamos com essas escutas expandir o entendimento sobre o cuidar e oferecer uma visão plural sobre o tema, inspirando reflexões e compartilhamentos.
Esse estudo, conduzido por Marina Vieira, Maria José Gouvea e Raquel Diniz, é o ponto de partida para visibilizar, fortalecer e potencializar uma rede afetiva de cuidadores. E, assim, contribuir para enfrentarmos, juntos, os desafios de sobrevivência no século 21.
Cuidadores
Ele não conhece outra vida que não a imersa na Folia de Reis Penitentes, do Santa Marta, comunidade onde nasceu e cresceu, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Ronaldo recebeu o legado de mestre pelo irmão. E sente-se um guardião dessa tradição familiar, passando os ensinamentos para as próximas gerações de sua família e de vizinhos, com responsabilidade e respeito à memória e à cultura da comunidade.
Marcos e Raquel são resilientes voluntários, articuladores de atividades e doações para os moradores da Comunidade do Fim do Mundo, no Rio de Janeiro. Lutam pela segurança alimentar das famílias que ali vivem. O espaço de atendimento que construíram para atender crianças e jovens e oferecer livros e brinquedos já foi destruído três vezes e reconstruído com resiliência, pois acreditam que a cultura do cuidado é transformadora.
Andrea é mãe da Rafa. Da solidão de uma mãe de criança atípica, com uma doença rara chamada Síndrome de Angelman, ela fez um ponto de conexão com outras mães atípicas e, de um grupo de Whatsapp, criou a Juntos. Uma rede de apoio com 300 famílias cadastradas que denuncia, sensibiliza e mobiliza a sociedade.
Eliene luta pelo desencarceramento. É integrante de movimentos de mães que, como ela, tiveram seus filhos violentados pelo Estado. Uma luta que era pessoal ganha alcance coletivo, pelo volume de mulheres que passam pela mesma situação em todo o Brasil e que se unem em redes, como Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas de Terrorismo do Estado.
Flávia começou a juntar pessoas em rodas de jongo na laje da casa de sua avó, no Méier, resgatando uma antiga tradição familiar. Fundou o Grupo Afrolaje, em 2011, com o objetivo de cuidar da herança ancestral de manifestações culturais afro-brasileiras e desenvolveu uma metodologia de dinâmica corporal, MOVIMENCURE, para apoiar o processo de cura de pessoas com doenças mentais.
Desde os quatro anos de idade Fleury sonhava em ser médico. Também queria ter experiência fora do Togo, seu país de origem. Juntou os dois desejos e veio cursar Medicina na UFRJ. Ressignificou sua negritude e trouxe a perspectiva racial para dentro da sua prática de clínica médica, se especializando na saúde da população Negra.
Joyce realizou o sonho da família, que ainda não tinha conseguido chegar no ensino superior. Começou em Letras e terminou com Biblioteconomia. Durante a pandemia de COVID-19, uma grande revolução começou em sua vida e passou a integrar atividades da PretaLab, onde hoje é gestora de ciclos formativos em tecnologia para mulheres negras e indígenas.
Itamara herdou o legado da sabedoria de rezadeira e todo um terreiro para cuidar como Mãe de Santo. Sua avó era rezadeira famosa em Nova Iguaçu. Vem de uma família matriarcal, muito unida, especialmente para poder enfrentar a violência contra os terreiros da Baixada Fluminense. Seu terreiro de Candomblé Angola Casa do Bengue Ngola Djanga Ria Mutakalambo foi fundado em 1964, e é lá que ela reza qualquer pessoa que precise ser cuidada e abraçada.
Quando criança, Adilson Almeida andava pela mata com a avó, curandeira, em busca de ervas. Nasceu, foi criado no Quilombo Camorim, em Jacarepaguá (RJ), e hoje é o guardião desta terra e das famílias quilombolas, responsável por defender seus direitos e a cultura ancestral do povo Bantu que lá se instalou desde 1614. Ele é também griô, e cuida para que a comunidade resista às ameaças de violência contra a população negra.
Bisneto de erveira e neto de rezadeira, Geraldo Bastos tornou-se erveiro, mestre em psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social e doutor pela UFRJ, pesquisador do LABMENS – Laboratório de Memórias, Territórios e Ocupações, onde pesquisa sobre rezadeiras e benzedeiras e a violência que elas enfrentam na Baixada Fluminense. Por meio de seus estudos, é um cuidador da espiritualidade, do imaterial e dos encantados.
Moradora da Favela Nova Holanda, Lorena cresceu amando seu território. Torna-se educadora ambiental e, com o compromisso de compartilhar informações na realidade da favela, cria a Faveleira, um projeto digital que produz informação de qualidade sobre meio ambiente e qualidade de vida. Ela pretende expandir as ações do Faveleira, realizando pesquisas para fornecer dados que contribuam para ações e políticas públicas no território da Maré.
Aos 15 anos, ela foi ser empregada doméstica, profissão que exerceu por décadas. Até que um episódio com um parente, vítima de violência policial e um tempo desaparecido, a despertou para a luta por direitos humanos, por meio de uma rede de acolhimento para mães e familiares vítimas de violência da Baixada Fluminense – uma rede de mulheres potentes com atividades na área da saúde e agroecologia, dando origem aos Quintais Produtivos.
Ela criou a MANNS [Mulheres Amorosas Necessitam de Navegar em Sonhos], uma biblioteca comunitária, em Duque de Caxias – onde sempre morou –, que traz as iniciais dos nomes de mulheres importantes da sua vida. A biblioteca faz parte de um centro comunitário [CHOCOBIM] onde acontecem atividades culturais para crianças e jovens. Nesse espaço, a diversidade é bem-vinda: religiosa, de gênero, PCDs.
Luciana é uma líder espiritual que pratica a religiosidade cristã da forma que acredita: sem preconceitos. Ativista pelos direitos humanos e pela justiça social, tem como referências Martin Luther King, Bel Hooks e Lutero Negro. Quer expandir o cuidado espiritual inspirando novas comunidades.
Gilza foi empregada doméstica. Até que decidiu buscar novos caminhos e fez um curso sobre Economia Solidária. Apaixonou-se pelo tema e pela possibilidade de ter uma nova vida como artesã, o que a levou a se tornar uma articuladora atuante junto às mulheres em sua comunidade. Está na luta por políticas públicas que garantam melhor qualidade de vida em seu território: Japeri (RJ).
Desde os 3 anos Bia vive em assentamentos. Se formou neles. Ativista pela agroecologia e segurança alimentar, luta por comida saudável para todos. Hoje mora no assentamento Terra Prometida, Xerém. Shirley chega ao assentamento em 2018 e essa decisão traz uma nova perspectiva de vida, que ela, assim como Bia, abraçou inteiramente: o cuidado a partir da natureza “cuidar da plenitude da vida”, dos conhecimentos ancestrais.
De origem Tupinambá, Anápuàka nasceu e passou parte da sua infância na Favela Nova Divinéia (SP). Aos 9, foi viver na aldeia de seus pais para ser iniciado na cultura do seu povo. Aos 12 anos, passou a morar com a mãe em Santa Cruz (RJ). Criou a Rádio Yandê e o conceito Etnomídia Indígena, baseado no processo cultural dos povos indígenas, suas linguagens, apropriação cultural e construção do pensamento reflexivo sobre comunicação indígena.
Essa trinca perfeita dá sustentação à Casa Dulce Seixas, a primeira casa de acolhimento LGBTQIAPN+ na Baixada Fluminense, oferecendo um lar para pessoas em situação de rua, ou que estão vivendo em vulnerabilidade social e/ou em insegurança alimentar. Fundaram a Casa Dulce e hoje estão à frente da política pública de acolhimento e cuidado LGBTQIAPN+ em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, trabalhando pela garantia do direito à vida dessa população.
Eles são um casal de professores. Flávio dá aulas de Geografia. Massari, de Educação Física. Juntos, fundaram a Casa do Artista Independente, que oferece um ponto de cultura e um cineclube de portas abertas para a comunidade, no bairro carioca de Vista Alegre. Apaixonados pela cultura suburbana, dividem a responsabilidade de cuidar do imaterial da arte da periferia, resgatam memórias e celebram a vida dos artistas independentes.
Psicóloga e sanitarista, Ariadne é coordenadora geral e cofundadora do Bloco Carnavalesco Loucura Suburbana, que desfila pelas ruas do bairro carioca do Engenho de Dentro. O Bloco foi criado em 2001, no processo de desconstrução do modelo asilar do Instituto Municipal Nise da Silveira. Ariadne e sua equipe cuidam para que a cultura seja incorporada aos dispositivos de saúde mental e que cada usuário tenha voz, liberdade e autonomia.
Portuguesa, Ana Olívia vivia na Espanha quando decidiu vir para o Brasil dar aulas de espanhol em um projeto social no Rio de Janeiro. Em 2015, criou o Instituto Yoga na Maré, no Complexo de Favelas da Maré, com o objetivo de promover uma cultura de paz e oferecer práticas do Yoga e do Ayurveda aos moradores. Seus conhecimentos se integram a outros saberes locais, como o de erveiras, doulas e massagistas e ao trabalho coletivo de cuidar das pessoas.
Enfermeiro, professor, Doutor e especialista em cuidados paliativos, em 2019 criou o projeto Favela Compassiva nas comunidades da Rocinha e do Vidigal, no Rio de Janeiro, para assistir pacientes que estejam vivenciando doenças ameaçadoras da vida. O trabalho é feito em parceria com a comunidade, que é mobilizada, capacitada e apoiada por equipes multidisciplinares, tornando-se cuidadora de pessoas que precisam, sobretudo, de escuta ativa e compaixão.
Magé foi a cidade escolhida por Lucimar para a criação do projeto Luthando pela Vida, que oferece oficinas de esporte e outras atividades para crianças e adolescentes. Para complementar sua renda, virou pescadora artesanal e tornou-se uma liderança local na comunidade de pescadores. A associação conta com mais de 360 associados, sendo 60 mulheres pesqueiras e marisqueiras, que trabalham por uma cadeia produtiva da pesca mais responsável.
Ela é escritora, educadora socioambiental e fundadora do Centro Gênesis de Educação Socioambiental. Foi recuperando, plantando e cuidando de um “fragmento de Mata Atlântica”, no bairro de Água Mineral, em São Gonçalo, que Lourdes Brazil conseguiu criar uma ilha de frescor dentro do município fluminense. Conhecida como guardiã da Mata Atlântica, é também Doutora em Ecologia Social, mestre e economista pela UFF.
Adelina da Silva D’oria ganhou o apelido de Jurema quando ainda era criança. Filha de pais indígenas, mora no mesmo lugar em que nasceu e cresceu, no interior de Japeri, no Rio de Janeiro. Desde criança, o aipim é seu sustento. E do alimento, faz maionese, sorvete, pastel, empadão, sucos, quibes e cocadas. Jurema diz orgulhosamente que é uma educadora, que promove o reaproveitamento integral dos alimentos, em suas receitas.
Ela pertence a uma “família de mulheres”, um verdadeiro matriarcado, onde todas se cuidam. Após trabalhar em uma clínica e perceber o tratamento que as mulheres gestantes recebiam, resolveu fazer uma formação de Doula. E inspirada nas boas experiências familiares, criou o Espaço Gaia, uma organização da sociedade civil que acolhe, apoia, informa e acompanha mulheres gestantes, com um olhar integral para a saúde da mulher.
Enfermeira, atuando há 44 anos no Sistema Único de Saúde (SUS), ela entende que a saúde deve ser tratada de forma integral e interseccionada, pensando no bem-estar da população da Rocinha. A partir desse olhar, Maria Helena envolve-se com iniciativas que buscam propor soluções para o lixo, as estradas, as habitações, a preservação da Floresta da Tijuca, o cuidado com os animais, com a cultura e com o lazer da comunidade.
Ele é cria do Vidigal, no Rio de Janeiro, e do grupo cultural Nós do Morro. Professor de Capoeira, Ninho é um articulador de projetos e diálogos sobre políticas públicas ligadas à cultura, saúde, educação e ao esporte que possam beneficiar a população do seu território. Foi eleito Conselheiro Tutelar pela comunidade, e é também guia de turismo comunitário.
Como guia religiosa, Mãe Flávia busca cuidar da sua comunidade, combatendo a fome e a intolerância religiosa. Para a Mãe de Santo da Casa do Perdão, em Seropédica, no Rio de Janeiro, o ato de cuidar vai além da religiosidade. É uma filosofia de vida. Devemos cuidar de nós mesmos para cuidar do outro, afinal, cuidar é amor.
Ele cresceu participando de grupos de jovens católicos, jovens trabalhadores e de movimentos estudantis por direitos e melhores condições de vida. Estudou Geografia, na UFF, e é mestrando em Memória Social, pela Unirio. Morador da Rocinha, é cofundador e coordenador do Museu Sankofa – Memória e História da Favela da Rocinha. Para Firmino, se queremos construir o presente e o futuro, devemos sempre estar atentos ao passado.
Um ensinamento de gente que acredita no coletivo:
Este e-book teve a realização de Governo Federal, Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, através da Lei Paulo Gustavo, e da Mil e Uma Imagens Comunicação. Nele trazemos as histórias de 30 cuidadores que apresentam novas formas de ser e de cuidar de si, dos outros e do mundo. 30 pessoas com diferentes perfis, áreas de atuação e localidades. Todas foram entrevistadas e 10 selecionadas para darem seus depoimentos em vídeo, a maioria em seus territórios. Conheça os protagonistas de histórias inspiradoras.
Este é um arquivo PDF com audiodescrição para que as pessoas com deficiência visual possam acessar não só o texto original da publicação, mas também o conteúdo de cada imagem. Para tanto, a audiodescrição de cada uma foi embutida no código do PDF, permitindo a identificação pelos softwares leitores e ampliadores de tela usados por esse público.
do press kit, e para falar sobre pautas, entre em contato com a agência Galo.
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